Por Ricardo Oliveira

A comunhão de tudo e de todos a um mesmo fluxo temporal é a base sobre a qual a música é construída. O andamento musical compartilhado é extremamente preciso e sinérgico sob o aspecto psicofísico. Presente em todos os Processos de Comunicação, a interação pulsatória torna-se explícita, a razão de ser e do parecer da música. E a realidade nos mostra que a sinergia de corpos e mentes gerada a partir de tal compartilhamento é poderosa! A amplificação energética catalisada pelos ritos musicais é organizadora, cooperativa e criativa.

Presentes em todas as culturas, as práticas musicais coletivas e participativas são criativas e não dependem de altas tecnologias para acontecer. Matrizes arquetípicas e culturais, artefatos artesanais e o próprio cotidiano, são os conhecimentos, demandas e cenários dessas tecnologias integrativas. Sob o aspecto psico-pedagógico, a relação de confiança e interdependência, típica da comunhão musical, possibilita que as individualidades se expressem criativamente, interagindo com o grupo. Transformar as aulas de música em vivências criativas, partilhar e reelaborar o que de fato nelas aconteceu – é a estratégia pedagógica proposta.

Sabemos dos ganhos pedagógicos de “aulas práticas” em todas as áreas do conhecimento. Além de uma abordagem consistente, é necessária certa ousadia para romper com os padrões reduzidos do ensino musical oficial. Por outro lado, o professor terá como seu grande aliado o aspecto vivencial, lúdico e pragmático típico das vivências, principalmente as musicais.
A ótica orgânica é abrangente e evolutiva. No que se refere a música, expande o alcance e os princípios da visão musical oficial, fechada nela mesma, cuja teoria tem raras referencias a outros conhecimentos. A abordagem orgânica converge conhecimentos físicos, biológicos, musicais e anímicos. Insere-se assim no movimento contemporâneo de perspectivas sistêmicas aplicadas as diversas áreas do conhecimento humano. Ao considerar a realidade multidimensional das pessoas e dos fenômenos envolvidos, a abordagem orgânica ancora-se em princípios e propósitos mais abrangentes do que aqueles que norteiam as pedagogias musicais usuais, enriquece o processo pedagógico com realidade e funcionalidade, incrementa a convergência de conhecimentos e competências.

Comparados aos de outras disciplinas, os “laboratórios” musicais propostos são de baixo custo. A Sala de Música deve ser ampla, não precisa de muitas cadeiras. O espaço tridimensional da sala será cenário para peças e “instalações”. O instrumento principal é o próprio aluno. Os de percussão, corda e sopro a serem utilizados são de baixo custo, alguns serão feitos pelos próprios alunos.

Como nas outras disciplinas o ensino musical não deve afastar, e muito menos excluir, os aparentemente “menos vocacionados”. Ele deve ser atraente e acessível, inclusive para aqueles que se acham desafinados, sem ritmo, tímidos ou inseguros. Deve atrair também aqueles que não querem se apresentar, mesmo que de forma amadora. Sem o gol ou o fantasma do Show, as oficinas básicas devem focar a música em quem a faz, nos seus efeitos e funções sobre as pessoas diretamente envolvidas no processo criativo. Sendo a partir de situações e fatos vivenciados e observados que os conteúdos teóricos são discutidos.

A proposta orgânica para o ensino fundamental da música não visa formar (necessariamente) músicos, profissionais ou amadores. Este é um axioma a ser pragmaticamente ultrapassado, sendo uma inverdade reduzir tanto assim os ritos musicais que atualizamos no nosso dia a dia. Nas torcidas, no carnaval, nas rodas de ciranda, de samba e de coco, no banheiro – não somos apenas ouvintes, consumidores, expectadores. A música desperta-nos participação, interação e criatividade. Como acontece com as outras disciplinas escolares, seja qual for a futura profissão ou “hobby” do aluno, buscamos uma ‘formação musical fundamental’ enriquecedora e útil para todos. Sendo construída sobre situações musicais criativas e proativas, a proposta apresenta algumas características que a distingue das pedagogias musicais mais usuais:

1. Não há palco nem platéia.
Desde cedo somos incentivados a tocar para os outros. A Sociedade Moderna dá uma ênfase distorcida ao aspecto performance, transformando-o em um ‘axioma’ para a experiência e o ensino da musica.

Focar o aprendizado musical no show é uma redução pedagógica relevante, eventualmente danosa. A situação palco/plateia, característica dos artistas amadores e profissionais, não se justifica como o núcleo de uma estratégia de ensino para todos, principalmente na sua fase Fundamental. A redução palco/plateia restringe por demais o conceito e as funções da música. Uma Pedagogia abrangente deve levar em conta competências, situações e contextos muito além de ensaios e espetáculos.

Em todas as disciplinas escolares devem ser abrangentes os propósitos e básicos os conteúdos de uma formação “fundamental”. Nesta fase do processo educacional aprendemos Matemática, Português, Geografia e Biologia nos seus fundamentos mais básicos. São conteúdos multidisciplinares convergentes, que se acredita imprescindíveis para matemáticos, escritores, geógrafos ou biólogos… As informações e as práticas Interligam-se sinergicamente, exercitam inteligências , expandem competências e a visão crítica. O mesmo pode ser aplicado em relação ao Ensino Fundamental da Música. Mas como já dito, a situação reduzida e fragmentada palco x plateia não se justifica como o núcleo de uma estratégia pedagógica voltada para todos, jovens e adultos, “vocacionados” e “não vocacionados”…

Em um segundo momento a abordagem orgânica não exclui o espetáculo, idealmente interativo e criado coletivamente, com os alunos atuando como co-facilitadores da plateia. Para a ótica orgânica, é fundamental, entretanto, que o Processo Pedagógico seja vivo, e como tal, construído de dentro para fora.

2. O primeiro e principal instrumento é o próprio corpo.
As técnicas e composições propostas são instrumentos simples e funcionais. Buscam a utilização sinérgica de movimentos corporais com cantos, melodias e ritmos.
A Música atua materialmente sobre nosso corpo, vibrando, penetrando, estimulando, liberando hormônios. Indubitavelmente também age sobre nossas dimensões anímicas, altera a Consciência, comunica sentimentos, ideias, emoções. Sob o aspecto psico-pedagógico a Música é particularmente eficiente convergindo múltiplos níveis de realidade, corporais, mentais, sociais e transcendentes.

A iniciação musical orgânica se dá a partir do corpo, seus sons, movimentos, peso, percepções internas e externas. A autoconsciência convergindo para a autoconsistência. A prática musical funde-se com a corporal: canta-se o exercício respiratório, caminha-se o tempo, vozes e movimentos corporais interagem e se comunicam. Conceitos como afinação, harmonia, interação rítmica e tonalização deixam de ser abstratos, são literalmente incorporados.

3. Teoria sobre realidade vivenciada.
Chamamos de Afinações da Mente os momentos das oficinas que focamos a atenção na preparação e entendimento dos fenômenos vivenciados. A reflexão teórica refere-se e justifica-se na realidade das pessoas envolvidas, os axiomas, conceitos e demais conteúdos sendo abstraídos da própria vivência. A Série Harmônica é exemplo eloquente de um fenômeno físico observável, fácil de reproduzir e convergir para os conhecimentos de outras disciplinas. Além de ser uma importante Matriz Musical, subjacente a formação de escalas, acordes e timbres, ela é extensível a todos os fenômenos ondulatórios. Da re-elaboração da experiência musical sobre a qual teorizamos surgem insights, embasamento e conhecimento sobre a integralidade dos participantes.

As principais referências teóricas das atividades são as Matrizes Musicais. Na modelagem proposta elas são estratificadas nos seguintes níveis de abrangência:
Físicas – relacionadas aos fenômenos físicos: ondulatórios, energéticos, quânticos… Biológicas – relacionadas a Vida, in-formações orgânicas, genéticas, fisiológicas e funcionais.
Arquetípicas – orquestrações transculturais de sons e corpos, como rodas, linhas e espirais.
Culturais -
Pessoais – memória individual, timbre e individiualidade.
Transcendentes – conexões não lineares.

4. Espaço e ambiente são “instalações pedagógicas”.
A estratégia proposta utiliza de maneira criativa o ‘meio-ambiente’ onde ocorrem as aulas, sua tridimensionalidade servindo de suporte e cenário para ideias e atividades. Por exemplo, as proporções musicais, cantadas e representadas na partitura, podem também ser expressas em volumes, posições, distancias e movimentos no cenário em que o aluno está inserido.

Associar as proporções de notas e ritmos a um espaço organizado explicitando a mesma lógica facilita e aprofunda o conhecimento. A sinergia da percepção auditiva com a sensação corporal e espacial possibilita que os alunos incorporem o conteúdo proposto. Este truque de convergir sentidos e percepções para melhor apreender e aprender é muito comum em todas as pedagogias. Ele é usado, por exemplo, quando entendemos uma equação através de sua curva, a sensação visual convergindo e “lubrificando” as trilhas cognitivas do conhecimento.

O foco no cognitivo, com os alunos sentados escutando o professor, é de longe a atividade mais frequente e típica das nossas escolas. A posição palco-platéia, professor-aluno, ativo-passivo, típica das aulas das matérias focadas no cognitivo, ocorre na imensa maioria das situações escolares. A Educação Física, focando as dimensões físicas e corporais, tenta contrabalançar esta ocupação parcial e reduzida da Realidade dos alunos, com os esportes. Na sua fase fundamental a Educação Musical assim como a Educação Física é eminentemente proativa. Daí a importância em ambas de um ambiente propício e adaptado às vivências e às Afinações da Mente.

5. Conteúdos integrados às outras disciplinas.
A abordagem busca aproximar a música da realidade dos alunos, do real e das outras disciplinas. A Série Harmônica pode ser de fato ouvida em uma corda de violão, transformando-se em experiência, representada gráfica e matematicamente. O mesmo em relação a proporções geométricas como a do triângulo retângulo, que explicitadas em som formam um acorde perfeito maior, presente em todas as músicas conhecidas pelos alunos. De fato, inúmeros padrões e dimensões da Natureza, objetos de outras disciplinas podem ser vivenciados sonoramente. A influência da música sobre funções orgânicas essencialmente integrativas, como o sistema nervoso e a “orquestra hormonal”, pode ser de maior valia para o entendimento da nossa biologia. Pulsos orgânicos.

As conexões entre as nossas diversas dimensões têm na Música uma “tecnologia orgânica” de alta eficiência. O seu ensino deve levar em conta sua função arquetípica de interface e conexão entre os diversos níveis de realidade, sendo sobre essa multiplicidade de dimensões que a música de fato age.

Um conteúdo fundamental ao ensino musical é a Interação Rítmica. É a partir deste fenômeno ondulatório, objetivo e evidente, que se constroem as situações musicais. Tal conexão sincrônica é sinérgica, criativa e prazerosa. Há uma evidente magia vivencial presente nessas ocasiões. Por isso, é parte essencial do ensino da música comungar da Interação Rítmica de maneira proativa.

Os fenômenos ondulatórios da Tonalização, da produção da Série Harmônica e da Ressonância também são temas nucleares, fundamentais à Música e a compreensão da Natureza. Outras Matrizes Físicas como a Polaridade e a Gravidade, Matrizes Arquetípicas como o caminhar o tempo, coreografias de filas e rodas também são considerados conteúdos básicos.
No nível Cultural, ritmos e melodias étnicas foram modelados como matrizes, utilizadas como instrumentos pedagógicos operativos. A proposta pedagógica de utilizar sílabas para modelar e demarcar o fluxo temporal, é comum a várias culturas que apresentam uma grande competência rítmica. Este sistema fractal possibilita que o cognitivo interaja harmonicamente com arquiteturas rítmicas complexas, e de maneira fácil e sustentável o corpo respire, cante, pense e se movimente integrado ao fluxo musical.

Conclusão
A Música atua como uma tecnologia integrativa e proativa. É construída sobre um fluxo temporal compartilhado, conectando movimentos que abarcam a multidimensionalidade e a multirrefencialidade humanas.

Como está implícito em seu nome, a abordagem orgânica busca ser viva, includente e abrangente. A dimensão trans-disciplinar dos seus postulados permite que não desconsidere nem se oponha a nenhuma outra ótica ou informação pertinente. Os seus fundamentos teóricos, apesar de descontínuos em relação às óticas oficiais, apoiam-se em evidências experimentais e uma ampla pesquisa transdisciplinar.

Propõe uma iniciação musical sem plateia, centrada no Indivíduo como instrumento, instrumentista e compositor. Integra sons, sensações, sentimentos e movimentos corporais a uma vivência musical desvinculada de comparações com a música exógena, comercial ou profissional. “As técnicas e composições utilizadas inspiram-se nas músicas associadas ao trabalho coletivo, rituais religiosos e festas populares. Recriam contextos que ancestralmente levam os indivíduos a se reunirem, criando um Ser Coletivo. Essa ambiência facilita o estabelecimento de relação de confiança e interdependência, permitindo que as individualidades se expressem em interação com a harmonia do grupo.”

*fonte: fanpage Música Orgânica

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