Por Ricardo Oliveira
“A visão do mundo da física moderna é bem diferente da Sociedade que construímos. Não vivemos o harmonioso inter-relacionamento que observamos na Natureza. Tal estado de equilíbrio dinâmico nos exigiria uma estrutura social e econômica radicalmente diferente. Teríamos que mudar valores e costumes já arraigados, essencializar necessidades, evoluir para uma ótica integrativa, cooperativa e mais criativa. Mas a sobrevivência desta civilização depende de sermos ou não capazes de realizar tal revolução!”
Cresce entre nós um sentimento que podemos chamar de “urgência ambiental”. Diante das evidências que o atual desequilíbrio do sistema planetario é o responsável por catástrofes presentes, iminentes e crescentes, três perguntas se impõem a esta civilização: 1. Há alternativas? 2. Há tempo? 3. Como reverter o processo?
Por incrível que pareça a primeira questão é a mais fácil de responder: Sim, há alternativas! Sabemos maneiras sustentáveis de lidar com a Natureza. Por que então, apesar da urgência, não implantamos alternativas sustentáveis na agricultura, energia, moradia, lixo, transporte? Para decifrar este paradoxo precisamos acrescentar a ‘equação ambiental”, além da urgência, dos conhecimentos e tecnologias de eficiência comprovada – a Consciência dos coautores do atual drama planetário.
Ou seja, evidências, urgências e alternativas existem! São os óculos da Sociedade que precisam de outras lentes! Uma nova ótica que nos abra os olhos para um Universo sistemicamente interligado em todas as suas criações e movimentos, o meio ambiente, ecossistemas, plantas, insetos, animais, homens… A complexa multidimensionalidade da Natureza e a consequente relatividade das suas leis, bem como a visão de um todo interligado e conectado, já se mostrou altamente operativo na física, na medicina, no estudo dos fenômenos climáticos, etc. Extender esta visão de mundo para a economia, política, cultura, educação, saúde pública, cidadania, etc. pode parecer um sonho impossível. Mas também parece ser a única maneira de resolver um impasse que poderíamos chamar de “curto-circuito epistemológico”, onde conhecimentos e tecnologias eficazes para lidar com desafios urgentes – esbarram na miopia de um paradigma ultrapassado.
Chegamos assim à segunda questão: ainda temos tempo para reverter a situação viciosa e entrópica que criamos? Esta não é uma questão que preocupa apenas a místicos e ambientalistas. A poluição da atmosfera e dos rios, a falta e o excesso de chuvas, tornados e a temperatura dos oceanos são atualmente questões reais para bilhões de pessoas. Em comunicados formais a ONU, motivada por evidências objetivas, a comunidade científica internacional já se pronunciou de maneira contundente sobre a gravidade das mazelas e cicatrizes que estamos causando ao Planeta. Sabemos hoje que as grandes interferências ambientais (desmatamento, recursos hídricos, poluição, urbanização, etc.) foram poderosas e sinérgicas nos seus efeitos funestos. E que, salvo urgente mudança de rota, elas continuarão a re-alimentar entropicamente, desorganizando, destruindo sistemas, o caos crescente no sistema planetário.
A mudança de consciência imprescindível para reverter este processo de degradação em direção ao caos, não é fácil. Para implementá-la de fato, na escala necessária e vencer a inércia pessoal e social – precisamos estar bem informados e convencidos.
As conexões integrativas e cooperativas do Mundo Natural, apesar de mais que comprovadas pela vanguarda científica, são extremamente resistentes à lógica cartesiana. É notória a dificuldade que as disciplinas científicas mecanicistas têm em considerar as evidências multidimensionais e integrativas do Real e da Realidade. Daí, serem fragmentadas e perigosamente carentes de integração sistêmica, as interferências em grande escala e em grande profundidade, que realizamos a partir deste conhecimento poderoso.
Subjacente à produção industrial, ao consumo pasteurizado e escalar da sociedade moderna, existe a ótica mecanicista, cartesiana e linear. Com esses óculos reduzidos fica muito difícil enxergar que os processos e construções da Natureza, para serem funcionais e sustentáveis, dependem de conexões multidimensionais, customizadas e criativas. Notamente as criações orgânicas são essencialmente integrativas e cooperativas. Corpos e mentes auto-referenciados inseridos em sistemas mais amplos: organismo, família, amigos, sociedade, ecossistema…
Será possível uma radical mudança em uma ótica tão dominante em uma sociedade tão complexa como a atual? Somos “conectados” e “globais” como nunca, o que talvez viabilize uma reação orgânica ou “viral” da Sociedade, em escala e profundidade necessárias a um salto evolutivo. Mas também somos consumistas e pouco cooperados como nunca! Teremos tempo e vontade para convergir o conhecimento e a ação necessária para resolver esta encruzilhada evolutiva?
Estamos longe de reproduzir o harmonioso inter-relacionamento que observamos na natureza. Em cada detalhe e na obra inteira, a Sinfonia do Universo é composta, tocada e regida de maneira incrivelmente competente. E quanto mais ouvimos e desvendamos o minimalismo de suas músicas, mais elas nos soam afinadas, conectadas e harmônicas. Neste momento histórico a Sociedade é obrigada a encarar o fato do Homem ser indissociável do meio ambiente. Constata a duras penas que esta fragmentação entre nós e a Natureza é uma miragem da ótica linear. Modernamente transformou- se em uma ideologia dominante, quase uma religião, seus dogmas avalizando e produzindo conhecimentos e tecnologias agressivas e não sustentáveis.
Mas diante de tantas evidências, a autocrítica é inevitável: precisamos administrar de maneira mais competente nossos recursos naturais e humanos. Daí, ser oportuno e pertinente considerarmos o aspecto integrativo e cooperativo das práticas artísticas. A complexidade e a multi-dimensionalidade dos fenômenos envolvidos, torna tal conhecimento humano resistente a separação sujeito / objeto e a quantificações, axiomas da ciência objetiva. Entretanto, por mais enigmático que pareça à ótica mecanicista, temos que admitir que os ritos ‘musicais apresentam uma evidente pragmática em expandir, integrar e transcender corpos e mentes. São fenômenos poderosos os que ocorrem nas igrejas, nas músicas de trabalho coletivo, em uma ciranda, rodas de coco e de samba…
Tecnologias religiosas, psicológicas, trabalho coletivo e artísticas estão presentes em todas as culturas como ferramentas de convergência e expansão de corpos e mentes. Sob uma perspectiva sistêmica e ecológica, as práticas culturais cooperativas funcionam como contrapartida à entropia gerada pela autoconsciência humana exacerbada, que tende a nos isolar e fragmentar em relação aos outros e à Natureza.
Os ritos musicais, mesmo aqueles reproduzidos pela ótica da industria cultural, desempenham importantes funções integrativas. Mas é inegável que a pragmática interativa da música, um ‘recurso natural’ humano, cresce exponencialmente quando feita de maneira cooperativa, proativa e criativa. Presente e atuante em toda a humanidade, a musica integral, coletiva e participativa, resiste a industrialização sobrevivendo em igrejas e terreiros, praias e fogueiras, festas populares e trabalho coletivo de algumas comunidades. Se encaradas com a seriedade que merecem, essas tecnologias integrativas de alta performance podem vir a ser parceiras valiosas no atual desafio civilizatório – ou mais um recurso desperdiçado pela ótica do consumo pasteurizado e do lucro em grande escala…
*fonte: fanpage Música Orgânica