Artigo extraído da apostila “A Arte de Viver em Harmonia”, de Glória Sobrinho, parte da Formação Holística de Base da UNIPAZ-RJ.

 

Normose e Normopatia

Normose ))) “conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir, que são aprovados por consenso ou pela maioria de uma determinada sociedade e que provocam sofrimento, doença ou morte. É patologênico ou letal, executado sem que os autores e atores tenham consciência de sua natureza patológica”. Pierre Weil (educador para a Paz e fundador da UNIPAZ)

Normopatia ))) “doença psíquica que não constitui neurose ou psicose.” Joyce MacDougall (psicanalista)

 

A Normopatia decorre do processo de negação de sentimentos adversos, egodistônicos, intensamente vivenciados pelo indivíduo e convenientemente suprimidos da vida psíquica; não raro implicando em surgimento de patologias somáticas, outras vezes em sofrimento subjetivo melancólico, outras tantas em prejuízo na construção do caráter e da ética.

Empatia: o dicionarista define-a como “a tendência em sentir o que sentiria caso estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa”. Trata-se, por conseguinte, de capacidade de colocar-se “no lugar do outro”, de compreender-lhe o que acontece, de alegrar-se com uma ocorrência alegre para ele, de entristecer-se quando algo de triste lhe acerque, de se enraivecer quando testemunhamos uma injustiça ou covardia por ele sofrida.

A empatia legitima a utilização do pronome “nós” em sua máxima dimensão, a intersubjetividade onde “eu + outro” representamos pólos extremos de um continuum pleno de significado, com reciprocidade, uma ponte invisível por meio da qual o “eu” aceita, recebe, compreende e se inclui nas vivências do “outro”.

Através da empatia atingimos metas arrojadas: compadecimento, inclusão, tolerância, compaixão, fraternidade, amor.

 

Sistema-espelho

Fenomenal avanço deve-se à proposta de Antonio Damásio sobre o “sistema-espelho”.

Imaginemos a situação na qual um casal caminha próximo a um jardim. Diante do ato no qual o rapaz sorri, dirige-se em silêncio à roseira e pega uma flor, a jovem já assume postura afetuosa e receptiva. Estende a mão também com leve sorriso enquanto ele lhe oferece a rosa.

Nenhuma palavra foi trocada. Houve entendimento pleno da parte dela e sintonia dos comportamentos de ambos, sem qualquer combinação previa. A jovem adivinhou que receberia a flor a despeito da cena ter durado apenas alguns segundos. As ciências cognitivas reduzem o funcionamento neural ao modelo “computacional” segundo o qual pensar equivale a calcular. Nesse sentido, a mente seria entidade isolada e independente da relação com os outros, preocupada somente em interpretar comportamentos. O contexto no qual a relação se desdobra é desimportante, legando-se a segundo plano o senso de identidade.

A interpretação, por conseguinte, dar-se-ia através do raciocínio lógico: os órgãos dos sentidos captariam a ação complexa desempenhada pelo outro e a mente logo a compararia a alguma aprendizagem similar anteriormente arquivada, permitindo assim o entendimento daquela sucessão de movimentos e sua intenção. Até hoje se desconsiderou a sintonia intencional na qual estamos submersos, cognitiva e emocionalmente, por que só recentemente descobriu-se a ação dos “neurônios-espelho” a configurar um circuito nervoso de tipo “como se”, ou seja, um sistema capaz de ser ativado não só em condições de simulação, como já se supunha, mas também de observação.

Em outras palavras, o simples atentar para alguém que desempenhe dada ação implica na ativação cerebral tal qual cumpríssemos a mesma tarefa. A descoberta ocorreu em estudo com primatas sendo constatada a existência de grupo neuronal que sofre ativação quer no momento de manipulação de objetos, que mediante a observação do mesmo ato desempenhado por outro indivíduo.

Observar a ação, portanto, induz a ativação do circuito neural responsável por sua execução, provando a simulação automática em quem assista, e, o mais importante para nós, a compreensão afetiva da experiência. Os neurocientistas chegaram a uma conclusão lógica: este “sistema-espelho” permite compreendermos atos alheios simplesmente ao espiá-los, sem necessidade de empreender raciocínio explicito sobre eles. Desse modo, o sistema nos fornece a experiência subjetiva imediata e direta, cuja amplitude alcança a compreensão das atitudes, das intenções e das emoções do interlocutor.

Segundo os pesquisadores é razoável e forçoso concluir: seres humanos compreenderem e compartilham emoções, e qualquer disfunção no “sistema-espelho”, seja por motivação gênica, seja por incapacidade ou impedimento do pleno desenvolvimento, implica em prejuízo da empatia. O conceito de Normopatia, em nosso entendimento, encaixa-se adequadamente no indivíduo cuja conduta demonstre déficit desses predicados.

Na atual Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão, consta do código “F” o “Transtorno de personalidade anti-social” que inclui os traços:
- Indiferença insensível pelos sentimentos alheios;
- Atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais;
- Incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldade em estabelecê-los;
- Muito baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga de agressão, incluindo violência;
- Incapacidade de experimentar culpa e de aprender com a experiência, particularmente punição;
- Propensão marcante para culpar os outros ou para oferecer racionalizações plausíveis para o comportamento que o levou ao conflito com a sociedade.

Alguns autores utilizam os termos Sociopatia e Psicopatia para graduar a intensidade do transtorno anti-social, sendo o 2º mais grave que o 1º. Nesse contexto assumimos a Normopatia como modalidade mais branda dos três, menos flagrantemente patológica, em que a aparência de normalidade vela a personalidade cuja “função executiva” falha, comprometendo o processamento da alteridade e empatia. Temos, por conseguinte: Normopatia > Sociopatia > Psicopatia

A Normopatia apresenta como uma das principais manifestações a conduta impulsiva, na qual o indivíduo fala ou procede desprovido de reflexão e cautela. Predomina o desejo ou a motivação, sem que ele afiance se a ação prejudica aos outros ou a si. Eventualmente não se acompanha de culpa, arrependimento ou autoreprovação por falha na configuração da “função executiva”. Refrear-se, avalizar, antecipar conseqüências, resolver problemas e auto-regular as próprias respostas será função distorcida, desprovida de excelência.

Paralelamente, por conta do comprometimento primordial da memória, como vimos, há a tendência de não aprender com a experiência, e o problema surgido a partir da conduta distorcida não é suficiente para fazer o sujeito antever e prevenir-se em futura situação semelhante. Na verdade, ele volta a executar a mesma conduta, afigurando-se, aos olhos de outrem, como incorrigível.

Algumas nações bradam serem o berço da “liberdade” como se esta fosse o fundamento único do bem-estar social e da felicidade individual. Grave deturpação normótica que alija convenientemente os outros dois pilares do estado republicano, coerente, justo e humano, quais sejam, a “igualdade” e a “fraternidade”.

Portanto, se “liberdade” privilegia o indivíduo, a “igualdade” os equilibra na coletividade, ensejando a igualdade de condições. Além do mais, a imprescindível “fraternidade”, esta sim abduzida da civilização, constrói o elo entre o indivíduo e a coletividade, respeita a iniciativa pessoal sem prejuízo dos semelhantes.

Não há “fraternidade” sem alteridade e empatia, e a normopatia a seqüestra das relações interpessoais. Neste momento histórico de perversa globalização, com o distanciamento progressivo e abissal entre os povos, cumprindo autêntico darwinismo social no qual somente o mais apto sobrevive, lamentamos comprovar a célere hipertrofia do monstro da Normose. A doença do indivíduo, da sociedade, do planeta!

ESPELHO
1 – Abertura incondicional.
2 – Atitude Amorosa.
3 – A iniciativa é da pessoa.
4 – Atenção contínua.
5 – Refletir os sentimentos e as percepções e não os fatos.
6 – A pessoa e não os outros.
7 – O que disse e não o subjacente.
8 – Respeito ao silêncio.

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