* Trecho do livro “Um futuro para a juventude”, Colecção Izvor Nº 223 – Edições Prosveta, 1990, Lisboa.

Muitos jovens queixam-se de que nada do que lhes é proposto vai ao encontro das suas aspirações. Mas saberão eles verdadeiramente o que desejam? Eles fazem experiências, dão cabeçadas e continuam infelizes porque não sabem que o que necessitam é de criar. Sim, têm necessidade de criar beleza, poesia, música, cores, formas…

Infelizmente, quando vemos no que está a tornar-se a arte dos nossos dias, já nem sequer podemos falar de criação, mas de desagregação. Dir-se-ia que, cada vez mais, os artistas querem conduzir-nos para o caos. A poesia transformou-se num alinhamento de palavras ao acaso, em que cada um encontra o sentido que mais lhe agrada; a música, em bizarras e sincopadas sonoridades ou num barulho infernal; a dança, em contorções. Quanto à pintura e à escultura, não passam de garatujas, manchas, massas informes. Mas, como se há de fazer compreender às pessoas que essa “evolução” da arte vai contra a ordem natural das coisas requerida pela Inteligência Cósmica? Para a Inteligência Cósmica, do caos deve partir a ordem, a harmonia, a perfeição. Ora, é justamente o contrário que acontece atualmente, sobretudo na arte: os humanos retornam ao caos.

Todavia, a vida dá-nos tantos exemplos de como as coisas devem passar-se! Para se construir uma casa fazem falta o ferro, a mandeira, os tijolos, o cimento, a areia… Mas ninguém se instala no meio de todos esses materiais para aí viver; primeiro constrói-se a casa com eles. E para construir a casa também não se dispõe os materiais de qualquer maneira, há que organizá-los para se conseguir um trabalho acabado, isto é, obter um lugar habitável. E quando tendes de convidar alguém para uma refeição, não lhes apresentais tudo a monte, em cima da mesa, com cascas, espinhas, caroços, etc., oferecei-lhes pratos confeccionados. Pois bem, as pessoas agem de forma mais ou menos razoável quando se trata de prepararem o seu alojamento ou a sua comida, mas comportam-se de modo insensato quando se trata de arte. Já nada é construído, estruturado, elaborado, é tudo um bricabraque, uma barafunda.

A música que hoje em dia os jovens tocam e ouvem, sobretudo, é de ficar assustado. Eles não sabem que aquelas vociferações e aqueles movimentos agitados destroem o seu sistema nervoso. De que serviu, durante séculos, os músicos terem procurado descobrir sonoridades e ritmos capazes de despertar nos homens as sensações mais elevadas, mais sutis, mais harmoniosas, se agora se pode chamar música a qualquer barulheira, a qualquer gritaria?… Mas eu sinto perfeitamente que, ao falar assim, estou a pregar no deserto. Paciência, eu continuo na minha filosofia que, em primeiro lugar, serve para mim, e deixo que os outros experimentem tudo o que quiserem. Mas eles que saibam que, se continuarem nessa direção, a coisa tornar-se-á preta para eles porque essa “arte” que apreciam demoli-los-á. Que os jovens reflitam, pois…

Dir-lhe-ei ainda que o mais importante não é trabalharem sobre a tela ou a madeira, ou com os sons e as cores… mas trabalharem sobre si próprios. Porque é essa a verdadeira matéria prima: eles próprios. Os artistas criam, numa matéria exterior a eles, obras exteriores a eles; e como é sobre esta matéria exterior que concentram os seus esforços, ainda que produzam obras-primas – sinfonias, poemas, quadros, monumentos –, quando estamos com eles verificamos que não são tão magníficos como isso. Muitas vezes, ficamos siderados: as suas atitudes são desprovidas de tudo o que faz a beleza das suas criações; não têm equilíbrio, nem harmonia, nem poesia.

E o mesmo acontece com os artistas do passado. Ao lermos as suas biografias e ao descobrirmos as suas fraquezas e os seus vícios pensamos que mais valia não os termos conhecido a eles, mas apenas às suas obras! E o que é extraordinário é que toda a gente aceita essa situação. Considera-se normal que um homem crie obras que atraem multidões mas que ele próprio seja insuportável para aqueles que o rodeiam; ou que proporcione aos outros prazer e alegria quando ele próprio vive angustiado, atormentado.

Pois bem, eu digo-vos que o verdadeiro artista é aquele que é capaz de se tomar a si mesmo como matéria para a sua criação. Todos os métodos da vida espiritual estão à sua disposição para o ajudar e o inspirar nesta tarefa. Trata-se de uma concepção da criação artística ainda inédita e desconhecida, mas é a que merece todo o vosso estudo, toda a vossa atenção. Sim, em primeiro lugar, é em vós que deveis criar a poesia e a música, formas e movimentos harmoniosos, cores cintilantes. Dir-me-eis: “Mas, ninguém verá nem ouvirá nada!” Evidentemente, ninguém verá nem ouvirá essa harmonia no sentido em que vêem e ouvem as formas de arte habituais, mas aqueles com quem vos relacionais senti-la-ão e ficarão maravilhados convosco.

Nada do que o homem cria interiormente permanece sem efeito, e, em primeiro lugar, para si próprio. Se, através dos vossos pensamentos, sentimentos e desejos, tentardes criar o paraíso em vós, sereis vós que, em primeiro lugar, nele ireis viver. E então, pouco a pouco, as pessoas ir-se-ão aproximando de vós, irão começando a sentir que por ali existem fontes que correm, aves que cantam, flores que perfumam o ar, e dirão umas às outras: “Conheceis aquele jardim? Que paz! Que pureza! Que bênção!”

Os verdadeiros artistas do futuro serão aqueles que empreenderem este trabalho formidável que é a criação interior. Preparei-vos, então, vós também. E não alegueis que sois pobres, miseráveis, que não podereis tirar nada da vossa própria matéria. Qualquer que seja a matéria, existe sempre a possibilidade de se tirar algo dela.

Quando eu era ainda estudante – isto passou-se em Sófia, na Bulgária –, estava um dia a ler no meu quarto, quando, de repente, ouvi uma ária de violino duma beleza e duma pureza extraordinárias. Dir-se-ia que vinha do Céu. Saí, para ver quem assim tocava, e encontrei um cigano esfarrapado que extraía aqueles sons espantosos de um instrumento extraordinariamente bizarro, mal se podia dizer que era um violino. Todos os habitantes da rua saíram de casa ou vieram à janela… Quando ele terminou, eu aproximei-me e perguntei-lhe:

- De onde veio esse violino?

- Fui eu que o fiz.

- Dá-me licença que o veja?

Virei e tornei a virar aquele instrumento, e fiquei siderado: uma caixa de madeira mal aparada e, sobre esta, umas cordas esticadas… Alguns anos mais tarde, em França, conheci um homem que fazia pesquisas acerca dos vernizes dos violinos Stradivarius, que ele queria redescobrir. Que teria ele dito daquele violino que, obviamente, não tinha qualquer verniz?…

Muito tempo depois, ainda aquele encontro me preocupava. Pensava eu: “Mas, então, o essencial não é a perfeição do instrumento, é uma coisa bem diferente. Tudo depende de quem tocas”. Refleti muito e concluí que também eu, com um violino tão rudimentar como o meu – eu próprio – conseguiria, trabalhando, tirar uns belos sons. Disse para comigo mesmo: “É certo que não tenho excelentes condições, que a madeira do meu violino não é das mais preciosas, mas a minha vontade, o meu desejo e o meu amor pela beleza triunfarão”. E lancei-me ao trabalho!

Sim, o que conta é termos vontade de triunfar, é visarmos o cimo, o ponto mais elevado, o alto ideal, a fim de criarmos a verdadeira beleza, de a criarmos em nós e fora de nós. A idéia de criação é a quinta-essência do nosso Ensinamento.

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