De acordo com o ponto de vista esotérico, a música é o começo e o fim do universo. Todas as ações e movimentos feitos nos mundos visível e invisível são musicais. Isto é, eles são constituídos de vibrações pertencentes a um certo plano de existência. Em sânscrito, a música é chamada sangita, que significa três sujeitos: o cantar, o tocar e o dançar. Esses três estão combinados em toda ação. Por exemplo, na ação da fala há a voz significando o cantar, a pronunciação das palavras significando o tocar e os movimentos do corpo bem como a expressão da face significando o dançar.

A música oriental está inteiramente baseada sobre uma base filosófica e espiritual. O inventor dela foi Mahadeva, o senhor dos Iogues, e o maior músico foi Parvati, sua amada esposa. Krishna, a encarnação de Deus, era um músico hábil, que encantava ambos os mundos através da música de sua flauta, fazendo os Iogues dançarem. Bharata Muni, o maior santo hindu, foi o primeiro compositor de música. Os místicos, tal como Narada e Tumbara, foram grandes músicos. No céu dos Hindus o Deus Indra é entretido pelo canto clássico dos Gandharvas e pela dança dos Apsaras. A Deusa da música é Sarasvati, que também é a Deusa da sabedoria; ela é uma grande amante da Vina. Todo o sistema da religião e filosofia hindu está baseado na ciência das vibrações e é chamado de Nada Brahma, Deus-Som.

O poeta Shams de Tabris, ao escrever sobre a criação, diz que todo mistério do universo reside no som. Esse fato é expressado no Corão e também na Bíblia.

Vibrações mais finas tornam-se mais grosseiras em sua graduação formando os diferentes planos de existência, culminando na manifestação física. Assim como a água quando congelada transforma-se em neve, também a atividade materializa as vibrações. Menos atividade as eteriza, mostrando que o espírito e a matéria são a mesma coisa num sentido mais elevado. O espirito descende em matéria através da Lei da vibração, e a matéria também ascende em direção ao espírito. Os grandes Iogues e Sufis sempre progrediram através de suas práticas em direção ao mais elevado estado de perfeição ao eterizarem-se através do conhecimento das vibrações. O som material dos instrumentos ou da voz produzido pelos órgãos humanos de som, é na verdade a consequência do som universal das esferas, o qual somente pode ser escutado por aqueles que se afinaram com ele. Este estado é chamado de Anahad Nada pelos Iogues e Sawt-e-Sarmad pelos Sufis.

O músico e o amante da música tornam-se refinados e são conduzidos ao mais elevado mundo do som. Os Sufis perdem a si mesmos no som e chamam isso de êxtase ou masti. Poderes psíquicos e ocultos surgem após experimentarem esta condição de êxtase e o conhecimento da existência visível e invisível é revelado. Essa graça da felicidade e paz está disponível apenas aos Iogues e Sufis interessados na divina arte da música.

Quase todos os grandes músicos do oriente tornaram-se grandes santos através do poder da música. Mais recentemente na Índia, músicos como Tansen e Maula Baksh foram exemplos grandiosos da perfeição espiritual através da música.

Quando prestamos atenção à música da natureza descobrimos que todas as coisas contribuem para a sua harmonia. As árvores balançam seus galhos alegremente no ritmo do vento, o som do mar, o sussurro do vento, o assobio do vento passando pelas pedras, vales e montanhas, a luz de um raio e o estrondo de um trovão, a harmonia do sol e da lua, os movimentos das estrelas e dos planetas, o desabrochar das flores, o cair das folhas, a alternância regular da manhã, tarde, noite e madrugada – tudo revela ao espectador a música da natureza.

Os insetos têm seus concertos e balé e o coro dos pássaros canta em uníssono os hinos de louvor. Os cães e gatos têm suas orgias, as raposas e os lobos têm suas noites musicais na floresta, enquanto os leões e os tigres presidem suas óperas na selva. A música é a única forma de compreensão entre os pássaros e os animais. Isso pode ser visto pela gradação de tons e volume de tons, a maneira da afinação e o numero de repetições e a duração de seus vários sons. Eles transmitem aos seus parceiros a hora de se juntar ao rebanho, o aviso da aproximação do perigo, a declaração de guerra, o sentimento de amor, o sentido de simpatia, de descontentamento, de paixão, raiva, medo e ciúme, criando uma linguagem própria em si.

Na respiração do homem há um tom constante, e o batimento do coração, o pulso e a cabeça mantêm o ritmo continuamente. Um bebê responde à música antes de ter aprendido como falar, ele move suas mãos e pés num determinado tempo e expressa seu prazer e sua dor em diferentes tons.

A arte da música no oriente é chamada Kala e tem três aspectos: o vocal, o instrumental e o que expressa movimento.

A música vocal é considerada a mais elevada pois é natural; o efeito produzido por um instrumento que é meramente uma máquina não pode ser comparado com o da voz humana. Não importa o quão perfeitas as cordas sejam, elas não poderão causar a mesma impressão que a voz no ouvinte, pois ela vem direto da alma através do alento e foi trazida à superfície por meio da mente e dos órgãos vocais do corpo. Quando a alma deseja expressar-se em voz, primeiramente ela causa uma atividade na mente, que por sua vez, através dos pensamentos projeta vibrações mais finas no plano mental. Isso no devido tempo desenvolve-se e passa como respiração através das regiões do abdome, pelos pulmões, garganta, boca e órgãos nasais, fazendo com que o ar vibre por completo, até que se manifeste na superfície como voz. A voz, portanto, expressa naturalmente a atitude da mente, seja ela verdadeira ou falsa, sincera ou insincera. A voz tem todo um magnetismo do qual carece um instrumento, pois a voz é o instrumento ideal da natureza, a partir do qual todos os outros instrumentos do mundo são modelados.

O efeito produzido pelo canto depende da profundidade do sentimento do cantor. A voz de um cantor compassivo é muito diferente da voz de um que é desprovido de emoção. Não importa o quanto uma voz seja artificialmente cultivada, ela nunca irá produzir sentimento, graça e beleza a menos que o coração seja cultivado também. O canto tem uma dupla fonte de interesse: a graça da música e a beleza da poesia. Na proporção de quanto o cantor sente as palavras que ele canta, um efeito é produzido sobre os ouvintes; seu coração, por assim dizer, acompanha a música.

Embora o som produzido por um instrumento não possa ser produzido pela voz, ainda assim o instrumento é totalmente dependente do homem. Isso explica claramente como a alma faz uso da mente e como a mente governa o corpo. Ainda assim, parece como se fosse o corpo que é o agente e não a mente, e a alma é deixada de fora. Quando o homem ouve o som de um instrumento e vê as mãos do instrumentista trabalhando, ele não vê a mente operando por de trás e nem o fenômeno da alma. A cada passo do ser mais interno em direção à superfície há um aparente progresso que parece ser mais positivo. Porém, cada passo para a superfície implica limitação e dependência.

Não há nada que não possa servir como um veículo para o som, embora o tom manifeste-se mais claramente através de um corpo sonoro do que por um corpo sólido, pois o primeiro é mais aberto às vibrações, enquanto que o último é fechado. Todas as coisas que dão um som claro mostram vida, enquanto que corpos sólidos entupidos de substância parecem mortos. A ressonância é a reserva de tom, em outras palavras é a repercussão do tom que produz um eco. Sob esse princípio são feitos todos os instrumentos, a diferença residindo na quantidade e na qualidade do tom, o qual depende da construção do instrumento.

E efeito da música instrumental também depende da evolução do homem que expressa com a ponta de seus dedos sobre o instrumento seu grau de evolução; em outras palavras, sua alma fala através do instrumento. O estado da mente do homem pode ser lido por seu toque no instrumento, pois por mais hábil que ele seja, ele não pode produzir por mera habilidade a graça e a beleza que atraem o coração sem um sentimento desenvolvido dentro dele mesmo.

Após a música vocal e a instrumental vem a música motora da dança. O movimento é a natureza da vibração. Cada movimento contém em si um pensamento e um sentimento. Essa arte é inata no homem. O primeiro prazer de um bebê na vida é divertir-se com o movimento de suas mãos e pés, uma criança ao ouvir música começa a mexer-se. Mesmo os animais e pássaros expressam sua alegria em movimentos. O pavão, orgulhoso com a visão de sua beleza, mostra sua vaidade na dança, da mesma forma a cobra sai do cesto e balança seu corpo ao ouvir a música do pungi. Tudo isso prova que o movimento é o sinal da vida e quando realizado com música ele coloca tanto o artista quanto e espectador em movimento.

Os místicos sempre olharam para esse tema como uma arte sagrada. Nas escrituras hebraicas encontramos Davi dançando diante do Senhor, e os deuses e deusas dos gregos, egípcios, budistas e brâmanes são representados em diferentes posturas, todas tendo um certo significado e filosofia relacionado com a grande dança cósmica que é a evolução.

Mesmo nos dias de hoje entre os Sufis no oriente, a dança chamada sama ocorre em suas reuniões, pois a dança é consequência da alegria. Os dervixes no sama dão vazão a seu êxtase em Raqs, o que é considerado com grande respeito e reverência pelos presentes e é em si mesmo uma cerimônia sagrada.

A arte da dança degenerou muito devido a seu mal uso. A maioria das pessoas dança ou para se divertir ou se exercitar, frequentemente abusando da arte em sua frivolidade.

Melodia e ritmo tendem a produzir uma inclinação para a dança.

Para resumir, a dança pode ser dita ser uma expressão graciosa do pensamento e do sentimento sem pronunciar nenhuma palavra. Ela pode ser usada também para impressionar a alma através do movimento, produzindo uma imagem ideal diante dela. Quando a beleza do movimento é tomada como um pressentimento do ideal divino a dança se torna sagrada.

A música da vida mostra sua melodia e harmonia em nossas experiências diárias. Cada palavra dita, ou é uma nota verdadeira ou uma nota falsa, de acordo com a escala de nosso ideal. O tom de uma personalidade é áspero como uma corneta, enquanto que o de outra é brando como as notas de uma flauta.

O progresso gradual de toda a criação de uma evolução inferior até a mais elevada, sua mudança de um aspecto para outro, é mostrada como na música onde uma melodia é transposta de uma clave para outra.

A amizade e a inimizade entre os homens, seus gostos e desgostos, são como acordes e dissonâncias. A harmonia da natureza humana e a tendência humana à atração e à repulsão, são como o efeito dos intervalos consonantes e dissonantes na música.

Na ternura do coração o tom torna-se um semitom e quando o coração é partido o tom se quebra em microtons. Quanto mais terno se torna o coração mais cheio o tom ele se torna, quanto mais duro o coração fica mais morto ele parece.

Cada nota, cada escala e cada som estinguem-se no momento determinado e no final da experiência da alma aqui o finale chega. Mas a impressão permanece, como um concerto num sonho, diante da visão da consciência.

No que diz respeito à música do absoluto, o baixo, o subtom (ou o tom sutil), prossegue continuamente, mas na superfície e sob as várias notas de todos os instrumentos da música da natureza esse tom sutil está escondido e subjugado. Cada ser com vida vem à superfície e novamente retorna para o lugar de onde veio, assim como cada nota tem seu retorno ao oceano de som. O subtom desta existência é o mais alto e o mais brando, o mais elevado e o mais baixo. Ele oprime todos os instrumentos de tom alto ou baixo, agudo ou grave, até que todos se fundam nele. Esse subtom sempre é, e sempre será.

O mistério do som é misticismo; a harmonia da vida é religião. O conhecimento das vibrações é metafísica e a análise dos átomos é ciência, seu agrupamento harmonioso é arte. O ritmo da forma é poesia e o ritmo do som é música. Isso mostra que a música é a arte das artes e a ciência de todas as ciências e ela contém a fonte de todo conhecimento dentro de si.

A música é chamada de a arte divina ou celestial não apenas porque ela é em si uma religião universal, mas por causa de sua sutileza em comparação com todas as outras artes e ciências. Cada escritura sagrada, ilustração sagrada ou palavra falada sagrada, produz a impressão de sua identidade sobre o espelho da alma, mas a música permanece diante da alma sem produzir nenhuma impressão deste mundo objetivo nem em nome nem em forma, assim preparando a alma para realizar o infinito.

Reconhecendo isso, o Sufi chama a música de giza-i-ruh, a comida da alma, e usa a música como uma fonte de perfeição espiritual, pois a música ventila o fogo do coração e a chama que surge dele ilumina a alma. O Sufi tira muito mais proveito da música em suas meditações do que em qualquer outra coisa. Sua atitude devocional e meditativa torna-o sensível à música, a qual ajuda-o em seu desenvolvimento espiritual. A consciência, através da ajuda da música, primeiramente liberta-se do domínio do corpo e depois da mente. Uma vez isso realizado, apenas mais um passo é necessário para atingir a perfeição espiritual.

Os Sufis de todas as épocas tiveram um sério interesse na música em qualquer terra em que residiram. Rumi adotou especialmente essa arte por conta de sua grande devoção. Ele ouvia os versos dos místicos sobre o amor e a verdade cantados pelos qawwals, os músicos, com o acompanhamento da flauta.

O Sufi visualiza o objeto de sua devoção em sua mente que é refletido sobre o espelho de sua alma. O coração, o fator do sentimento, é possuído por todos, embora ele não seja um coração vivente em todas as pessoas. O coração é tornado vivo pelo Sufi que dá vazão aos seus sentimentos intensos em lágrimas e suspiros. Ao fazê-lo, as nuvens do jelal, o poder que congrega com seu desenvolvimento psíquico, caem em lágrimas como gotas de chuva e o céu de seu coração é clareado, permitindo a alma brilhar.

Essa condição é considerada pelo Sufi como um êxtase sagrado. O wajad, ou êxtase sagrado que os Sufis experimentam como regra no sam’a, pode ser dito ser a união com o Desejado. Existem três aspectos dessa união que são experimentados pelos diferentes estágios de evolução.

O primeiro é a união com o ideal reverenciado do plano da terra, presente diante do devoto, seja no plano objetivo ou no plano do pensamento. O coração do devoto, repleto de amor, admiração e gratidão, torna-se capaz de visualizar a forma de seu ideal de devoção enquanto escuta a música.

O segundo passo no êxtase e a parte mais elevada da união é a união com a beleza de caráter do ideal, não importando a forma. A música em louvor ao personagem ideal ajuda o amor do devoto a brotar e transbordar.

O terceiro estágio no êxtase é a união com o divino Amado, o mais elevado ideal, que está além da limitação do nome e da forma, da virtude e do mérito; com o qual a alma tem constantemente buscado a união e a quem ela finalmente encontrou. Essa alegria é inexplicável. Quando as palavras dessas almas que já atingiram a união com o divino Amado são cantadas diante daquele que está trilhando o caminho do amor divino, ele vê todos os sinais no caminho descritos naqueles versos e isso é um grande conforto para ele. O louvor Daquele assim idealizado, tão diferente do ideal do mundo em geral, preenche-no com uma alegria além das palavras.

O êxtase manifesta-se em vários aspectos. Às vezes o Sufi pode estar às lágrimas, às vezes pode estar suspirando, às vezes ele se manifesta em Raqs, movimentos. Tudo isso é considerado com respeito e reverência por aqueles presentes na assembléia do sam’a, pois o êxtase é considerado uma bênção divina. O suspiro do devoto ilumina um caminho para ele no mundo invisível e suas lágrimas lavam o pecado de eras. Toda revelação segue o êxtase, todo o conhecimento que um livro jamais poderá conter e que a linguagem jamais poderá expressar, nem um professor ensinar, vem a ele por si mesmo.

Hazrat Inayat Khan

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